sábado, 2 de março de 2013

MEIN KAMPF - Obra de Hitler será publicada!


Decisão do governo da Baviera de publicar edição comentada de ‘Minha luta’ pode servir para impedir distribuição livre em sebos e pela internet das palavras de Hitler 



Se você não pode lutar contra ele, o melhor é se juntar a ele. É seguindo a velha expressão popular que o governo da Baviera, na Alemanha, anunciou esta semana que vai lançar novas edições de “Minha luta”, o relato autobiográfico, com tom de ensaio, do ditador nazista Adolf Hitler. A Baviera é detentora dos direitos autorais da publicação e não autoriza novas edições, justamente para impedir a propagação da mensagem antissemita presente no texto de Hitler. Em 2015, porém, quando se completarão 70 anos da morte do ditador, a obra vai cair em domínio público e poderá ser lançada por qualquer editora do mundo. Como prevenção, a Baviera vai preparar para 2015 edições comentadas, inclusive para o leitor jovem, contextualizando as palavras do ditador. Vai tentar, assim, evitar o que acontece há décadas: a divulgação indiscriminada da mensagem de Hitler. 

“Minha luta” nunca deixou de ser editado e distribuído, sobretudo pela internet. São bastante acessíveis as versões digitais do livro para download gratuito em vários idiomas, inclusive o português. Além disso, mesmo não havendo novas edições no Brasil, é fácil encontrar “Minha luta” à venda. O site Estante Virtual, que agrupa ofertas de sebos de todo o país, tem mais de 150 exemplares do livro de Hitler. Há desde uma versão de 1933, em alemão gótico, ao preço de R$ 15 mil, até obras em português da década de 1960, oferecidas a R$ 120. 

— Todas as editoras que republicavam o livro faziam isso de forma clandestina, à revelia da decisão do governo da Baviera de proibi-lo — explica Osias Wurman, cônsul honorário de Israel no Brasil. — A decisão de lançá-lo com comentários de personalidades e historiadores é, portanto, acertada. Essa é a forma mais postitiva de se combater o racismo contra qualquer etnia, não só contra os judeus. 

A última edição de “Minha luta” lançada no Brasil é de 2005, de responsabilidade da editora paulista Centauro. Sua capa era avermelhada, com uma foto de Hitler à esquerda e a imagem do ditador marchando entre suas tropas embaixo. O título aparecia tanto em português quanto no original em alemão, “Mein kampf”. De acordo com Almir Caparos Faga, um dos proprietários da Centauro, a tiragem de 2005 era de 2 mil exemplares. O livro, porém, não foi distribuído em grandes redes de livraria. 

— Nossa editora sempre lançou o livro, e ele sempre vendeu uns 2 mil exemplares por ano. Não é muito, porque as grandes cadeias não aceitam vendê-lo, não havia divulgação. Só que, aí, nós levamos o livro para feiras e bienais. E começamos a ter problemas — conta Faga. 

Por causa de “Minha luta”, a Centauro foi alvo de uma série de processos em que seus donos eram acusados de racismo. As ações na Justiça citavam, ainda, o livro apócrifo “Protocolo dos Sábios de Sião”, uma publicação do século XIX que trataria de um suposto complô judaico para controlar o mundo, também lançado pela Centauro. Ainda não há decisão final sobre os processos. 

— Quando começaram a pingar na internet informações sobre as ações na Justiça, o livro passou a vender muito rapidamente e se esgotou. Mas paramos de publicar para evitar mais problemas. Naquela época, o governo da Baviera entrou em contato conosco, avisando que eles detinham os direitos. Nunca soubemos disso — afirma Faga. — Agora, com a liberação em 2015, ainda não sabemos o que fazer. Republicar ou não vai depender do mercado. O livro é histórico. Fala de algo que aconteceu e que não vamos conseguir apagar. Hitler tinha uma mente doentia e fez atrocidades, mas não se pode bloquear o conhecimento. 

Para os críticos da publicação de “Minha luta”, o problema é como ele serviu — e ainda serveria — para a propagação de mensagens antissemitas. O livro foi lançado pela primeira vez em 1925, na Alemanha, e logo se tornou um sucesso imenso de vendas. Estima-se que, até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, mais de dez milhões de exemplares de “Minha luta” circulavam pelo país, entre aqueles que foram vendidos em livrarias e os que foram distribuídos gratuitamente pelo ditador para soldados, estudantes e jovens recém-casados. 

Em vários trechos, a manifestação do ódio racial era direta. Em “Minha luta”, Hitler escreveu: “Nada se afirmou em mim tão depressa como a compreensão, cada vez mais completa, da maneira de agir dos judeus em determinados assuntos. Poderia haver uma sujidade, uma impudência de qualquer natureza na vida cultural da nação em que pelo menos um judeu não estivesse envolvido? Quem, cautelosamente, abrisse o tumor haveria de encontrar, protegido contra as surpresas da luz, algum judeuzinho. Isso é tão fatal como a existência de vermes nos corpos putrefatos. O judaísmo provocou em mim forte repulsa quando consegui conhecer suas atividades, na imprensa, na arte, na literatura e no teatro”. 

É por um conteúdo como esse que “Minha luta” se tornou maldito por gerações, mais ou menos como ocorreu com muitas das publicações ou dos filmes feitos por ou a pedido dos nazistas. Outro caso famoso foi o da alemã Leni Riefenstahl, diretora de filmes de propaganda nazista, como “O triunfo da vontade”. Até sua morte, em 2003, Leni passou anos sendo criticada e acusada de ter sido simpatizante das ideias de Hitler. 

— O livro era uma plataforma para Hitler ser eleito. Quando ele foi publicado, não haviam acontecido todas as mortes, a destruição, os campos de concentração que vieram depois — diz Osias Wurman. — O que vemos na Europa hoje é que Hitler morreu, mas o nazismo continua vivo. Está presente na força da extrema-direita nas eleições da França ou no atentado na Noruega no ano passado. A republicação do “Minha luta” deve servir para que esse mal não retorne.
Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet "O Globo a Mais"

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